Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (a XXXI edição de 2016) já foram há dois anos e o próximo evento esportivo se avizinha, a cerimônia de abertura ocorrerá em 24 de julho de 2020 (Jogos da XXXII Olimpíada). Portanto, estamos a meio caminho de uma edição para a outra. Quando se pensa na realização passada e na futura, duas perguntas surgem: como será o desempenho do Brasil nesta e o que sobrou de aprendizado para o país no caso daquela?
Comecemos com o estímulo, para que os atletas possam ter um bom desempenho é necessário que possam focar a sua atenção no esporte e não na própria subsistência. Para responder esta pergunta se tem de pensar quais os ganhos cotidianos, em outras palavras renda, do atleta para que ele se mantenha em atividade. Em alguns países o esporte é custeado por uma espécie de “mecenas”, um patrocinador ou doador, pessoa física ou jurídica de direito privado, que realiza aportes financeiros seja pelo amor ao esporte (objetivo integralmente altruísta) ou para ver seu nome divulgado (como as empresas fazem com os patrocínios, para obterem maior marketshare, e nisso não há nenhum crime, faz parte das possibilidades da livre concorrência). Em outros o governo, pessoa jurídica de direito público, é quem exerce esse papel diretamente ou indiretamente por meio de seus órgãos e autarquias, também pessoas jurídicas de direito público, ou ainda suas empresas públicas, pessoas jurídicas de direito privado administrada por pessoa jurídica de direito público.
Com isso, chega-se à questão de como é custeado o esporte no Brasil. Com a Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998 (conhecida como Lei Pelé) foi estruturado o Sistema Brasileiro do Desporto (artigo 4°) e o Sistema Nacional do Desporto (artigo 13). No primeiro se estrutura a forma de controle. Ao somar estas disposições com o artigo 5° da mesma lei se obtém a forma de custeio do Ministério do Esporte e como este aplicará os seus recursos. No sistema mencionado há uma pirâmide organizacional do esporte no país, em que no topo estão os Comitês (Olímpico Brasileiro – COB, Paralímpico Brasileiro – CPB e Brasileiro de Clubes – CBC), abaixo deles estão as Confederações nacionais de acordo com a prática esportiva, depois as Federações por Estados e, por fim, Associações, Ligas ou Clubes que realizam as atividades esportivas.
Cada integrante deste Sistema Nacional do Desporto – SND possui dois tipos de dinheiro ingressando em seus cofres: o carimbado (decorrente de repasses que tiveram na origem remota uma lei que obriga recolher os valores e os repassar para o destino vinculado por comando normativo) e o não carimbado (que o integrante do SND recebeu por pura liberalidade em função de um patrocínio ou doação).
Antes de seguir no rastreio do numerário, faço um intervalo para falar do desempenho do Brasil nos referidos Jogos.
EVENTO | COLOCAÇÃO | OURO | PRATA | BRONZE | TOTAL |
Brasil em Atlanta 1996 | 25° | 3 | 3 | 9 | 15 |
Brasil em Sidney 2000 | 53° | 0 | 6 | 6 | 12 |
Brasil em Atenas 2004 | 16° | 5 | 2 | 3 | 10 |
Brasil em Pequim 2008 | 23° | 3 | 4 | 9 | 16 |
Brasil em Londres 2012 | 21° | 3 | 5 | 9 | 17 |
Brasil em Rio 2016 | 13° | 7 | 6 | 6 | 19 |
Brasil em Tóquio 2020 | ? | ? | ? | ? | ? |
Ao vislumbrar o quadro acima podemos estabelecer uma previsão para o ano de 2020? Infelizmente não, pois o grau de estímulo para os atletas é diretamente proporcional à vontade política dos dirigentes governamentais em custear o esporte, pois “o grosso” da verba destinada às modalidades advém de verba pública. Antes de chegar à raiz do problema, convém comparar com país que o esporte seja custeado exclusivamente por verba privada.
EVENTO | COLOCAÇÃO | OURO | PRATA | BRONZE | TOTAL |
EUA em Atlanta 1996 | 1° | 44 | 32 | 25 | 101 |
EUA em Sidney 2000 | 1° | 37 | 24 | 32 | 93 |
EUA em Atenas 2004 | 1° | 36 | 39 | 26 | 101 |
EUA em Pequim 2008 | 2° | 36 | 39 | 37 | 112 |
EUA em Londres 2012 | 1° | 46 | 28 | 29 | 103 |
EUA em Rio 2016 | 1° | 46 | 37 | 38 | 121 |
EUA em Tóquio 2020 | Provavelmente 1° ou 2° (dependerá do estímulo japonês) | 46? | +/-30? | +/-30? | +/-110? |
Note que em 2008, os Estados Unidos ficaram em segundo lugar, pois o primeiro foi a China. Este país usou do mesmo formato estatal de custeio que o Brasil, mas somado ao poderio econômico e condução unitária da nação obteve o sucesso que o formato demanda. Para o Brasil que possui uma pluralidade de ideais políticos para se contrabalançar e outras preocupações de orçamento não pode levar tal modelo a sua total fruição. A resposta americana foi um estímulo para que surgissem 10 novas medalhas de ouro no ano de 2012, exatamente o número que faltava para ser o primeiro em 2008.
O leitor questionaria que isto foi um esforço estatal dos EUA. Pois está incorreto! O Comitê americano (sigla USCO, no original) faz questão de revelar junto com as suas contas que nenhum dólar é oriundo do governo, todo o custeio se dá pela iniciativa privada[1].
Vejamos as últimas contas do USCO divulgadas (https://www.teamusa.org/footer/finance):

O demonstrativo acima, mostra que o Comitê é sempre superavitário. Vendo o resumo de gastos divulgado (encontrados no endereço já colacionado):

Repare nos gastos, algo inimaginável para as entidades nacionais, gastar (ter como despesa) com pessoal especializado em levantar recursos (vide gráfico acima “fundraising”).
O Brasil possui leis de incentivo, como a n° 11.438, de 29 de dezembro de 2006, além de repasses de verba de loteria. Então, por que sempre falta?
Veja a Lei de Incentivo ao Esporte – LIE (n° 11.438/2006), com a escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos, emendaram a lei para que ela durasse de 2007 até 2015, alteração dada pela Medida Provisória n° 342/2007 convertida na Lei n° 11.472/2007. Depois, com a eminência dos jogos em território nacional e o já emergente debate público sobre o legado olímpico, bem como a continuidade do projeto esportivo, nova alteração foi realizada para que a lei durasse de 2007 até 2022, redação dada pela Lei n° 13.155/2015.
Entretanto, a LIE depende de incentivadores (doadores e patrocinadores privados, pessoas físicas ou jurídicas) que recebem renúncia fiscal por parte da União sobre parcela do total devido a título de Imposto de Renda. E se poucos particulares participarem do incentivo, de nada adianta este texto legal. Como adiantado, “o grosso” decorre de repasses de “dinheiro carimbado”.
Traduzindo, estes repasses são feitos com parte de valores arrecadados em loterias. Contudo, com a crise da segurança pública esta fonte foi ameaçada pela Medida Provisória n° 841/2018. Tal MPv destina o que antes iria para o esporte para o Fundo Nacional de Segurança Pública. Tanto foi o impacto que houveram moções de repúdio (com o slogan “luto pelo esporte”) até que, de forma provisória, isto foi revertido pela publicação da Medida Provisória n° 846/2018.
Assim, com esta mentalidade de refletir sobre o modelo esportivo nacional o Tribunal de Contas da União (TC 006.120/2012-1) divulgou ranking em que baseava o escalonamento nas seguintes fórmulas:
Liquidez Geral (LG) | Ativo Circulante + Ativo real. L.P. | Ex.: R$ 637.697,1 | 0,140984 |
Tradução Gusi: no exemplo, para cada R$1,00 de dívida total (curto e longo prazo) a entidade possui praticamente R$0,14 para pagar. | Passivo Circ. + Passivo não circulante. | Ex.: R$ 4.523.199,37 |
Liquidez corrente (LC) | Ativo circulante | Ex.: R$ 637.697,1 | 0,137217 |
Tradução Gusi: no exemplo, para cada R$1,00 de dívida a entidade possui menos de R$0,14 para pagar. | Passivo circulante | Ex.: R$ 4.647.364,94 |
Ao aplicar as fórmulas colocou as entidades em escala:
Badminton |
Tiro com Arco |
Handebol |
Desporto na Neve |
Boxe |
Universitário |
Pentatlo Moderno |
Triathlon |
Tiro esportivo |
Vôlei |
Ginástica |
Hipismo |
Atletismo |
Comitê Olímpico Brasileiro – COB |
Golfe |
Judô |
Rugbi |
Desportos Aquáticos |
Tênis |
Hóquei sobre a grama |
Lutas associadas |
Esgrima |
Ciclismo |
Tênis mesa |
Remo |
Vela e Motor |
Taekwondo |
Basquete |
Canoagem |
Isso serviria para que as entidades do Sistema Nacional do Desporto buscassem uma nova estruturação. Porém, a solução da época foi a mesma de sempre: mais dinheiro público.
O COB está em posição mediana no ranking, por tal motivo olharemos suas contas para poder cotejar com a do Comitê americano:

Neste resumo não se pode distinguir o que é verba particular e verba pública, mas nota que o COB custeia as Confederações. A pergunta que fica é: isso é um sistema autossustentável? Se retirar o numerário carimbado a pirâmide permanece de pé?
Com isto, o Comitê Brasileiro se comprometeu a imprimir uma nova sistemática. Para maiores informações basta visitar https://www.cob.org.br/pt/cob/transparencia/conformidade.
Em um mundo cada vez mais comprometido com regras de compliance e possibilidade de controle por qualquer pessoa, isso se faz ainda mais verdade quando se pensa que há dinheiro público envolvido. O que resta ao brasileiro médio é que as entidades esportivas se modernizem, tenham um maior controle da sua renda própria. Mas, principalmente, como o esporte é o modelo da sanidade, sejam as entidades desportivas modelo para as demais pessoas jurídicas nacionais, atuando com uma gestão ética e transparente.
[1] https://support.teamusa.org/give/195374/#!/donation/checkout?c_src=WOW18MMTUSA1
- Artigo elaborado por João Antonio Ferreira Gusi, advogado especialista em Direito Tributário Empresarial e Processo Tributário.